O Museu do Marajó – um museu para a comunidade

O texto abaixo foi elaborado e apresentado no I Fórum de Museus do Estado do Pará, realizado em Belém pelo Sistema Integrado de Museus SIM, entre 16 e 19 de junho de 2008. O Fórum se pautou pelo tema "Museus: Diversidade Cultural e Transformação Social" e esta apresentação compôs o a Mesa II: "As políticas Museológicas voltadas para museus universitários, federais e comunitários".

 
A fachada do Museu com a pintura recuperada (dez 2008)

O Museu do Marajó – um museu para a comunidade
Paulo P. de Carvalho*

Criado em 1972, na cidade de Santa Cruz do Arari - Ilha do Marajó, com a proposta de promover o desenvolvimento através da Cultura, o Museu teve sua sede transferida em 1983 para a cidade vizinha de Cachoeira do Arari. Ainda em Santa Cruz importante acervo começou a ser adquirido, através da doação de cacos e peças arqueológicas encontradas em toda a região pela população local que, dessa forma, desde o início teve participação efetiva na constituição desse acervo, contribuindo ativamente na consolidação do projeto do Museu do Marajó.
Ainda em Santa Cruz, ao mesmo tempo em que iniciava esse importante acervo, seu fundador, o padre jesuíta italiano Giovanni Gallo, desenvolveu intenso trabalho de inclusão social com geração de renda envolvendo a comunidade da localidade do Jenipapo, às margens do Rio Arari. Entre as iniciativas implantadas teve grande repercussão o “Projeto Piranha”, que embalsamou e exportou para a Europa milhares de piranhas, recolhidas mortas das redes dos pescadores, rendendo recursos suficientes para a realização de diversas melhorias no Jenipapo - as pontes de madeira (1), e na sede do Município, como a pista de pouso para aviões monomotores, entre outras.
Já em Cachoeira do Arari, e com grande apoio da população através do GCAC – Grupo Cachoeirense de Ação Cultural, Giovanni Gallo não só ampliou consideravelmente o acervo arqueológico do Museu como desenvolveu diversas e importantes pesquisas nas áreas da Arqueologia e da Antropologia, envolvendo a comunidade em projetos de formação profissional e geração de renda, sempre buscando o apoio da administração pública – municipal, estadual e federal.
Em seu intenso contato com a população e em seus trabalhos de pesquisa, ao criar um museu com a comunidade e para a comunidade, Gallo observou importante característica do caboclo marajoara, qual seja a de tudo “ver com as mãos”, de tudo querer tocar e, daí, sua mais importante e inovadora contribuição ao acervo d’O Museu – os chamados computadores caipiras, verdadeiras engenhocas interativas compostas de rodas, manivelas, cordões e plaquetas que, ao serem manipuladas, desvendam o universo de informações coletadas por Giovanni Gallo em tantos anos de pesquisa – “um museu na ponta dos dedos”, como gostava de dizer.
Hoje, cinco anos após o falecimento de seu idealizador, a direção do Museu do Marajó dá continuidade ao trabalho iniciado em 1972 através de diversos convênios, projetos, prêmios e editais, tendo entre seus parceiros instituições como a Caixa Econômica Federal – CEF; Petrobras; Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG; Ministério da Cultura – MinC; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN; Banco Real; Prefeitura Municipal de Cachoeira do Arari; Banco da Amazônia – BASA; Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE-PA; Banco Nacional de Desenvolvimento Social – BNDES; Fundação Carlos Gomes; Fundação Curro Velho; Instituto de Artes do Pará – IAP; Serviço Social do Comércio – SESC-PA; Instituto Arraial do Pavulagem; e a Secretaria de Estado de Cultura do Pará - SECULT, entre outras.
Fruto da parceria com a Petrobras, o Museu inaugurou em abril deste ano a Reserva Técnica Dalcídio Jurandir (a terceira do Norte do País) e está finalizando a produção de vinte novos computadores caipiras, que irão substituir aqueles já deteriorados pela ação do tempo. Ponto de Cultura conveniado desde 2006 com o MinC, o Museu desenvolve também ações de resgate, manutenção e repasse do patrimônio cultural através de oficinas com foco nas Folias de São Sebastião, na confecção de réplicas de cerâmicas marajoaras, na musicalização de mais de cem crianças e jovens, nas roupas bordadas com motivos marajoaras, e com a Banda João Viana. Outra parceria, com a Caixa Econômica Federal, possibilitou a elaboração de um banco de dados que reúne todo o seu acervo e, também, a reformulação do sítio na internete.
Ainda este ano, o Museu apresentou proposta para um edital do IPHAN e foi contemplado para realizar a revitalização do sítio arqueológico de Joanes, município de Salvaterra, Ilha do Marajó, ora em curso. A parceria com o IPHAN também possibilitou a participação do Museu, como instituição de apoio, na realização do Inventário Nacional de Referências Culturais da Ilha do Marajó – INRC Marajó (entre 2004 e 2006) e, em 2007, no Inventário (INRC) da Festividade do Glorioso São Sebastião.
Desde 2007 o Museu do Marajó está associado ao Sistema Integrado de Museus e Memoriais – SIM-PA através de convênio com a SECULT, que também possibilitou a assinatura de projeto patrocinado pelo BNDES para realizar, a partir do segundo semestre deste ano, obras importantes em sua área de exposição, biblioteca e no arvoredo no entorno do prédio principal. Previsto para ser lançado no próximo mês de julho em parceria do IAP com o Ponto de Cultura do Museu, o cineclube dará continuidade ao projeto Cinema no Museu, implantado em fevereiro, e que disponibilizará, para sessões gratuitas, mais de mil títulos do cinema nacional reunidos no projeto Programadora Brasil. Ao mesmo tempo, oficinas de audiovisual e software livre ministradas pelo IAP promovem a inclusão digital com formação profissional. Articulado no coletivo estadual dos Pontos de Cultura, o Museu sedia, a partir deste mês, o Pólo Marajó do Pontão de Cultura Rede Amazônia de Protagonismo Juvenil.
Assim, diante desse quadro onde tantos projetos se voltam para demandas indicadas pela própria comunidade, podemos inferir o acerto da política implantada pela direção do Museu e que aponta para o desenvolvimento efetivo de seu projeto inicial, qual seja a extrema interação com a comunidade. No entanto, alguns importantes desafios se apresentam para o Museu do Marajó, sendo o primeiro deles a real e objetiva inserção do Museu no panorama cultural da Ilha, em todos os seus municípios, na concretização do projeto de Giovanni Gallo. Tal desafio deverá ser enfrentado tendo como base o INRC Marajó e em estreita parceria com as prefeituras municipais e instituições de abrangência regional, além do IPHAN e da SECULT.
Quanto à participação da comunidade nas ações do Museu, o desafio que se coloca é o de incrementar e qualificar essa interação, que deve ultrapassar o atual estágio de pesquisas escolares e participação em oficinas. Nesse sentido é que se propõe um novo patamar na relação do Museu, tanto em relação à Prefeitura Municipal, através da Secretaria de Educação, como à Academia. Esse galgar de novo patamar, no que se refere às instituições educacionais de 1º e 2º graus, teve seu início durante a programação realizada por ocasião da 6ª. Semana Nacional de Museus, entre 12 e 18 de maio deste ano, com grande participação de professoras e estudantes das redes municipal e estadual de ensino público em atividades dirigidas. Também este ano, a implantação de cursos de 3º grau no município abriu uma nova porta para a realização de pesquisas e estágios, ao mesmo tempo em que essa mesma interação é proposta a outras Instituições de Ensino Superior (IES) sediadas na capital e em outros municípios da Ilha, com a clara intenção de tornar o Museu do Marajó numa extensão do campus universitário. Por outro lado, as diversas oficinas de arte e profissionalizantes, e as aulas de música, têm sido tratadas de forma a interagirem entre si de forma complementar, com uma visão multidisciplinar, apontando para resultados que permitam à comunidade definir os novos passos a serem dados nas diversas áreas demandadas. Aqui podemos citar a criação da Associação Profissional dos Artesãos de Cachoeira do Arari – APACAR, formada ao final do projeto Jovem Artesão, patrocinado pelo programa Amigo Real, e que deverá caminhar com seus próprios passos, com o apoio efetivo do Museu do Marajó.
Um terceiro desafio diz respeito mesmo à administração do Museu. Criado e dirigido desde o início pelo próprio Gallo, ao completar trinta e seis anos o Museu do Marajó se transformou num grande complexo instalado numa área de 20 mil m2 e que inclui a área de exposição propriamente dita, a Escola de Música, a arena de esportes, o barracão de marcenaria, o barracão de cerâmica, a Loja do Artesão, a biblioteca (hoje instalada no barracão da Escola de Informática), o barracão de artesanato em corte e costura, a ilha de edição, a casa onde residiu Giovanni Gallo e que hoje abriga grande parte de seus documentos pessoais, e o arboreto (2) que ocupa área de cerca de 8 mil m2. Para tratar todo esse complexo o Museu conta hoje com nove servidores municipais cedidos pela Prefeitura e cinco contratados, uma bolsista do MPEG, e o diretor executivo - cargo comissionado da SECULT e indicado de comum acordo com a direção do Museu. Dessa forma, o desafio que se apresenta diz respeito à profissionalização e ampliação do quadro funcional do Museu, que deve passar pela qualificação e adequação do quadro atual e contratação de novos colaboradores identificados na comunidade, restando a questão dos recursos para concretização de tal proposta – o que deve ser discutido no Congresso do Museu, programado para o segundo semestre, quando também deve ser debatida a forma jurídica da instituição.
Para finalizar, gostaria de citar dois exemplos, duas ações que confirmam o acerto da criação do Museu do Marajó. Uma delas, a criação do recente Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, interativo como o do Marajó - onde vale a intervenção do visitante - reafirma o acerto de Giovanni Gallo ao criar “um museu na ponta dos dedos”, ainda no início da década de 1970. Outra ação, visionária como o projeto de Gallo, é a criação de um instituto de ciências em Macaíba, localidade nos arredores de Natal, na Paraíba. O projeto, chamado Campus do Cérebro e idealizado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, enfrenta hoje a mesma descrença enfrentada por Giovanni Gallo ao pretender implantar um museu no meio dos campos do Marajó: “cadê a massa crítica?”, perguntam os descrentes. Pois está lá, em Cachoeira do Arari, em Macaíba e em qualquer outro lugar nesse Brasil afora, aguardando ações concretas de inserção sociocultural com perspectivas de real protagonismo e empoderamento pela comunidade. Esse o caminho que pretendemos trilhar.

(*) Diretor Executivo d'O museu do Marajó-Pe. Giovanni Gallo (2007/2009)
(1) A localidade do Jenipapo, como tantas na Ilha do Marajó, é construída sobre palafitas para enfrentar as cheias do inverno marajoara – as pontes são as ruas suspensas sobre as águas do Lago Arari.
(2) Designação dada por Giovanni Gallo ao pequeno bosque no interior dos muros do Museu.

Bibliografia
GALLO, GIOVANNI. O Homem que Implodiu. Belém: SECULT, 1996
GALLO, GIOVANNI. Marajó - a Ditadura da água. Belém: Smith Produções Gráficas Ltda., 1997
NICOLELIS, MIGUEL. A Ciência pode ser um agente de transformação social. In Revista Caros Amigos. Ano 12. Número 134. Maio de 2008. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2008.

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